terça-feira, 12 de junho de 2012

" (...)
— Não gostas muito de ostras ou estás preocupado? — perguntou Stiepan Arcádievitch, virando a taça.
Oblonski desejava que Liêvin estivesse alegre. E efetivamente estava, mas sentia-se inibido. No seu estado de espírito incomodava-o aquele restaurante com os seus gabinetes reservados, em que se comia com mulheres, e aquela barafunda, bem como os bronzes, os espelhos, as luzes e os criados
. Temia conturbar os belos sentimentos que tinha na alma.
— Eu? Sim, estou preocupado e além disso tudo isto me inibe — respondeu. — Não podes calcular como este ambiente me parece estranho, a mim, um aldeão. É um pouco como as unhas daquele senhor que eu vi na tua repartição.
— Sim, reparei nisso, que as unhas do pobre Grimevitch te interessaram muito — disse Oblonski, rindo.
— Sim, que queres? Procura compreender-me, pondo te no meu lugar, adota o ponto de vista de um homem que vive na aldeia. Ali procuramos ter as mãos para trabalhar com comodidade, por isso cortamos as unhas rentes, e às vezes até arregaçamos as mangas. Aqui, pelo contrario, as pessoas deixam crescer as unhas o mais que podem e, à guisa de abotoaduras, usam uma espécie de pires para nada poderem fazer com as mãos.
Stiepan Arcádievitch sorriu jovialmente.
— Isso quer dizer apenas que não precisam de trabalhar com as mãos, a cabeça lhes basta...
— Talvez. Mas, de qualquer forma, acho esquisito, da mesma maneira que não posso deixar de estranhar estarmos aqui, tu e eu, a comer ostras para despertar o apetite, ficando à mesa tempo infinito, quando na aldeia tratamos de comer o mais rapidamente possível para voltarmos às nossas ocupações.
— Claro. Mas é nisso mesmo que consiste a civilização fazer com que tudo se transforme em prazer — replicou Stiepan Arcádievitch
— Pois bem, se é esse o objetivo da civilização prefiro ser selvagem."
Tolstoi (em "Ana Karênina)

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