terça-feira, 12 de junho de 2012

Justiça

  É de natureza humana um individuo, quando é feito alguma coisa que não agrade a si próprio, querer "dar o troco" a quem o fez. Exemplo: Você mata meu irmão, e eu lhe boto na cadeia para lá ficar aprisionado por anos e anos. Para muitos isso é chamado de "justiça", mas não passa de uma outra palavra para dizer o mesmo que "vingança". Na sociedade de hoje usamos justiça, talvez para não assustar os homens, pois no nosso mundo civilizado o que fazemos é deixar as coisas (parecem) mais confortaveis as nossas vidas. Mas prefiro tomar esta palavra de modo mais selvagem (realista) e dizer "vingança"! É a mesma coisa, mas justiça está associado em nossas mentes como algo bom. Muitas vezes não é bom, na maioria das vezes, todas a vezes, eu arrisco dizer.
" (...)
— Não gostas muito de ostras ou estás preocupado? — perguntou Stiepan Arcádievitch, virando a taça.
Oblonski desejava que Liêvin estivesse alegre. E efetivamente estava, mas sentia-se inibido. No seu estado de espírito incomodava-o aquele restaurante com os seus gabinetes reservados, em que se comia com mulheres, e aquela barafunda, bem como os bronzes, os espelhos, as luzes e os criados
. Temia conturbar os belos sentimentos que tinha na alma.
— Eu? Sim, estou preocupado e além disso tudo isto me inibe — respondeu. — Não podes calcular como este ambiente me parece estranho, a mim, um aldeão. É um pouco como as unhas daquele senhor que eu vi na tua repartição.
— Sim, reparei nisso, que as unhas do pobre Grimevitch te interessaram muito — disse Oblonski, rindo.
— Sim, que queres? Procura compreender-me, pondo te no meu lugar, adota o ponto de vista de um homem que vive na aldeia. Ali procuramos ter as mãos para trabalhar com comodidade, por isso cortamos as unhas rentes, e às vezes até arregaçamos as mangas. Aqui, pelo contrario, as pessoas deixam crescer as unhas o mais que podem e, à guisa de abotoaduras, usam uma espécie de pires para nada poderem fazer com as mãos.
Stiepan Arcádievitch sorriu jovialmente.
— Isso quer dizer apenas que não precisam de trabalhar com as mãos, a cabeça lhes basta...
— Talvez. Mas, de qualquer forma, acho esquisito, da mesma maneira que não posso deixar de estranhar estarmos aqui, tu e eu, a comer ostras para despertar o apetite, ficando à mesa tempo infinito, quando na aldeia tratamos de comer o mais rapidamente possível para voltarmos às nossas ocupações.
— Claro. Mas é nisso mesmo que consiste a civilização fazer com que tudo se transforme em prazer — replicou Stiepan Arcádievitch
— Pois bem, se é esse o objetivo da civilização prefiro ser selvagem."
Tolstoi (em "Ana Karênina)

sábado, 14 de abril de 2012

"Cartas a Hermengardo" - Clarice Lispector

Meu querido Hermengardo, 
 
          Em verdade eu te digo: felizmente tu existes. A mim me bastaria apenas a existência de uma criatura sobre a terra para satisfazer meu desejo de gloria, que não é senão um profundo desejo de vizinhança. Porque eu me enganei quando há tempos imaginei como real a minha vontade de “salvar a humanidade”, “malgré”, ela. Agora só desejo mais alguém, alem de mim mesma, para que eu possa me provar... E nessa volta para Idalina compreendi também que tão belo e tão impossível como aquele outro sonho é o de tentar salvar-se a si mesmo. E se é tão impossível, por que então me encaminhar para esta nova cidadela que seria agora uma pobre mulher perturbada? Não sei. Talvez porque é necessário salvar alguma coisa. Talvez pela consciência tardia de que somos a única presença que não nos deixará até a morte. E é por isso que nós nos amamos e nos buscamos a nos mesmos. E porque, enquanto existirmos, existirá o mundo e existirá a humanidade. Eis como, afinal, nos ligamos a ele.
          E tudo isso que eu estou dizendo é apenas um preâmbulo qualquer que justifique meu gosto de te dar tantos conselhos. Porque dar conselhos é de novo falar de si. E cá estou eu... Mas, afinal, eu posso falar com consciência em paz.  Nada conheço que dê tanto direito a um homem como o fato dele estar vivendo.
          Este preâmbulo também serve por uma desculpa. É que percebo, mesmo através das palavras mais doces que o milagre de respirares me inspira, o meu destino é jogar pedras. Nunca te zangues comigo por isso. Uns nasceram para lançar pedras. E, afinal, (aqui começa minha função) por que será de mal lançar pedras, senão porque elas atingiram coisas tuas ou dos que sabem rir e adorar a comer?
          Uma vez esclarecido este ponto e uma vez que me permite jogar pedras, eu te falarei da Quinta Sinfonia de Beethoven.
          Senta-te. Estende tuas pernas, fecha os olhos e os ouvidos. Eu nada lhe direi durante cinco minutos para que possas pensar na Quinta Sinfonia de Beethoven. Vê, e isto será mais perfeito ainda, se consegues não pensar por palavras, mas criar um estado de sentimento. Vê se podes parar todo o turbilhão e deixar uma clareira para a Quinta Sinfonia. É tão bela.
          Só assim a terás, por meio do silêncio. Compreendes! Se eu a executar para ti, ela se desvanecerá, nota após nota. Mal dada à primeira, ela não mais existirá. E depois da segunda, o segundo não mais ecoará. E o começo será o prelúdio do fim, como em todas as coisas. Se eu a executar ouviras musica e apenas isto. Enquanto que há um meio de detê-la parada e eterna, cada nota como uma estatua dentro de ti mesmo.
          Não a executes, é o que deves fazer. Não escutes e a possuirás, não ames e terás dentro de ti o amor. Não fumes o teu cigarro e terás um cigarro aceso dentro de ti. Não ouças a Quinta Sinfonia de Beethoven e ela nunca terminará para ti.
          Eis como eu me redimo de lançar pedras, tão sempre... Eis que eu te ensinarei a não matar. Erige dentro de ti um monumento do Desejo Insatisfeito. E assim as coisas nunca morrerão, antes que tu mesmo morras. Porque eu te digo, ainda mais triste que lançar pedras é arrastar cadáveres.
          E se não puderes seguir meu conselho, porque mais ávida que tudo é sempre a vida, se não puderes seguir meus conselhos e todos os programas que inventamos para nos melhorar chupa umas pastilhas de hortelã. São tão frescas
          Tua
Idalina

terça-feira, 3 de abril de 2012

Livres?

"Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. 
A liberdade não é um fim, mas uma consequência." 
  -Tostoi

Eu penso que essa imagem a baixo mostra como nós somos 'feitos em formas de gelo' hoje em dia. A sociedade e seus padrões nos levam a mentira, que acaba sendo a base das relações humanas. 

 

terça-feira, 27 de março de 2012

        "Um simples romancista devia evitar certos temas que são excessivamente hediondos para a ficção legitima. São assuntos que despertam um interesse absorvente em uns, mas para outros pode ofender ou desagradar. Somos tomados, por exemplo, de uma dor intensa ('dor agradável', podemos dizer) diante de noticias de terremotos, surtos de pragas, massacres, chacinas de prisioneiros, mas se esses fatos são reais e distantes. É a realidade - a história que nos empolga. Como invenções, só podemos encará-las com total aversão. Essas calamidades, nas dimensões que citei, impressionam vivamente nossa fantasia, se acontecem longe e atingem a muitos. A verdadeira infelicidade - o supremo infortúnio - é, na verdade, particular. É o sofrimento bem perto. De um só conhecido. Os extremos medonhos da agonia são sofridos pelo homem isoladamente, e nunca pelo homem em multidão."

Edgar Allan Poe (em "Enterro Prematuro")

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sociedade e Na Natureza Selvagem

 "Na vida de cada homem há dois aspectos: a vida pessoal, tanto mais livre quanto mais restritos são os seus interesses, e a vida geral, social em que o homem obedece inevitavelmente as leis prescritas"

"Instalamos-nos, portanto, na cidade. Aí toda a vida é suportável para as pessoas infelizes. Um homem pode viver cem anos na cidade, sem dar por que morreu e apodreceu há muito. Falta tempo para o exame de consciência. As ocupações, os contatos sociais, a saúde, as doenças e a educação das crianças preenchem-nos o tempo. Tão depressa se tem de receber visitas e retribuí-las, como se tem de ir a um espetáculo, a uma exposição ou a uma conferência. De fato, na cidade aparece a todo momento uma celebridade, duas ou três ao mesmo tempo que não se pode deixar perder. Tão depressa de tem de seguir um regime, tratar disto ou daquilo, como se tem de falar com os professores, os explicadores, as governantas. A vida torna-se assim completamente vazia"
Leon Tostoi
Respectivamente, "Guerra e Paz" e "A sonata de Kreutzer"




    A música apresentada acima é trilha sonora de um filme chamado Na Natureza Selvagem (Into de Wild, no original). O filme conta a história (real) de um jovem, Christopher McCandless que resolve, após terminar a faculdade, com 22 anos, doar todo seu dinheiro a uma intuição de caridade e seguir uma vida de andarilho. Não avisa a ninguém, nem amigos nem família, e muda de identidade. Começa a apresentar-se por Alex Supertramp. Durante sua viagem, pegando carona com várias pessoas e em trens de carga, Alex chega até Stampede Trail, no Alasca e passa a se alojar em um ônibus abandonado, numero 142 da Fairbanks Transit System. Alex descreve sua ida ao o Alasca como "uma batalha para matar seu falso interior":

 "Dois anos ele caminha pela terra. Sem telefone, sem piscina sem animal de estimação, sem cigarros. Liberdade definitiva. Um extremista. Um viajante estético cujo o lar é a estrada.Fugido de atlanta, não retornarás porque "o Oeste é melhor". E agora, depois de dois anos errantes chega à última e maior aventura. A batalha final para matar o seu falso interior e concluir vitoriosamente a revolução espiritual. Dez dias e noites de trens de carga e pegando carona o trazem ao grande e branco Norte. Para não mais ser envenenado pela civilização, ele foge e caminha sozinho sobre a terra para perder-se na natureza"
(Alex Supertramp, Maio de 1992)

  
     Acredito que na música, o que está sendo julgado não é o termo 'sociedade' em geral. Mas sim a civilização e a sociedade predominante que existe dentro dela.
    Na minha visão, Alex não era apenas um jovem revoltado com a sociedade que queria 'viver a vida no mato'. Eu acredito, que, ao passarmos a viver em uma civilização nos somos 'moldados', pela mídia, pelo governo, pelas pessoas em nosso redor. Temos que seguir um padrão, estético e social, caso contrario, somos vistos como estranhos, somos julgados e repreendidos. A solução para algumas pessoas, é viver na natureza, pois lá você poderá ser livre. Você descobrirá o seu verdadeiro interior, as verdadeiras coisas que você sente e que gosta. Não haverá, em meio a natureza, nenhuma influência de outros sobre você, apenas aquelas que você mesmo escolheu ser influenciado, lá é sim uma sociedade, porem uma sociedade livre.

"Há um tal prazer nos bosques inexplorados; 
Há uma tal beleza na solitária praia; 
Há uma sociedade que ninguém invade, 
Perto do mar profundo e da música do seu bramir.
Não que eu ame menos o homem, mas amo mais a natureza"
-Lord Byron